O ensino remoto do Direito Internacional Público via simulação de negociação de tratado sobre a cooperação para reger situações de pandemia

Publicado em 23 mar. 2023. Última atualização em 25 abr. 2023
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

Ementa: 

Trata-se de uma atividade desenvolvida e testada com sucesso, na graduação, no âmbito da aula de Direito Internacional Público no início da pandemia e do advento das aulas remotas generalizadas. O método de ensino aplicado é transferível para as aulas presenciais. Esse sistema de ensino embasa-se num tripé metodológico que o proponente sempre aplica nas suas aulas: (i) o ensino pela pesquisa; (ii) o ensino pela problematização, isto é, pela aplicação da pesquisa a situações concretas para (aprender a) pensar em soluções jurídicas; (iii) o ensino pelo protagonismo dos alunos nas vertentes (i) e (ii) do tripé metodológico. Considerando que o jurista deve sempre se conectar à realidade e que esta realidade era uma pandemia esmagadora, pensou-se numa atividade que ligasse os alunos à uma problemática real e atual. Logo, com o intuito de explicar que o Direito (Internacional) não se embasa sempre e apenas no contencioso, os alunos foram convidados à uma atividade de negociação de um tratado sobre a cooperação internacional para reger as situações de pandemia. A turma foi dividida em grupos de Estado com situações econômicas e políticas diferentes. O Professor atuou como o secretário da negociação. Num primeiro momento, os grupos tiveram que elaborar uma lista de temas para alimentar a negociação rumo ao tratado. Organizou-se semanalmente uma rodada de negociação para selecionar quais temas seriam mais aptos para serem incorporados no tratado. Para tanto, os alunos tiveram que justificar o posicionamento do Estado que representavam com base na pesquisa feita sobre cada tema. A pesquisa sempre seguiu a seguinte ordem: (i) os textos normativos relevantes; (ii) as resoluções, os pareceres ou os outros documentos relevantes das Organizações Internacionais; (iii) a jurisprudência; (iv) a doutrina; (v) os jornais de notícia. A parte mais complicada era a transformação da pesquisa numa reflexão para pensar em soluções técnicas. Inicialmente, o primeiro reflexo dos alunos foi apresentar e descrever a pesquisa feita, porém, sem mostrar a sua aplicabilidade e a sua relevância. Apresentaram os insumos sem dizer a sua utilidade. Era obviamente algo esperado visto que os alunos não tinham nenhuma experiência de pesquisa. Essa dificuldade foi paulatinamente sanada no decorrer das rodadas de negociação semanais. Os alunos aprenderam que o "sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas" (Ruy Barbosa). O exercício ajudou a desenvolver o reflexo de ir além da mera descrição: os alunos aprenderam a pesquisar, a observar, a compreender e a analisar criticamente. Para enquadrar o processo de pesquisa e de reflexão, cada grupo construiu a sua proposta — num fichamento —, da seguinte forma para cada tema objeto de negociação: (i) o contexto da proposta; (ii) o problema jurídico; (iii) a proposta em si; (iv) os argumentos jurídicos para sustentar a proposta; (v) o método para construir os argumentos. Cada fichamento constituiu a fundamentação técnica de cada artigo do tratado. O conjunto dos fichamentos era o equivalente dos trabalhos preparatórios do tratado, assim como ocorre na prática. Num segundo momento, os grupos escolheram definitivamente os temas mais urgentes e passaram a discutir a sua incorporação no tratado em outras rodadas de negociação. Ao trazer a diplomacia dentro da sala de aula, uma outra perspectiva do Direito Internacional foi proporcionada aos alunos que aprenderam a buscar o interesse comum ao proteger os interesses particulares dos Estados que representavam. No final, o projeto de tratado e os trabalhos preparatórios (fichamentos) renderam um documento de 306 páginas, elaborado apenas pelos alunos. Note-se que os grupos tiveram que fazer cada fichamento várias vezes antes de acertar e nesse processo está a função do professor em orientá-los. Após uma negociação de um semestre, os grupos apresentaram o projeto de tratado ao Embaixador da Bélgica, o Senhor Patrick Herman, que aceitou apreciar criticamente o trabalho dos alunos.

Prêmio de Menção Honrosa na 4ª Edição do Prêmio Esdras de Ensino do Direito (2022).

Atividade sem revisão pelo autor.

Objetivo: 

COMO ESSA ATIVIDADE SE INSERE NO OBJETIVO CURSO (DISCIPLINA)

A atividade se insere no objetivo do curso pelas seguintes características : (i) contato teórico com o conteúdo da aula de Direito Internacional Público; (ii) contato prático com o conteúdo da aula; (iii) contato permanente com a pesquisa; (iv) contato permanente com a aplicação da pesquisa; (v) protagonismo dos alunos.

  1. Contato teórico com o conteúdo da aula de Direito Internacional Público

Mesmo que a atividade seja organizada para proporcionar um protagonismo e uma participação permanente dos alunos, o seu ponto de partida sempre é um contato teórico cabal com os aspectos processuais e materiais da matéria, no caso, o Direito Internacional Público. Para tanto, a atividade coaduna-se obrigatoriamente com uma parte expositiva-dialogada na sala de aula na qual o Professor expõe a matéria de maneira teórica, porém sempre numa interação com os alunos. Mesmo a parte mais expositiva da aula adota um método indutivo pelo qual parte de casos para explicar os aspectos teóricos e principiológicos do Direito Internacional. Nesse quesito, os alunos são incentivados a se posicionarem e a debaterem. A parte teórica da aula busca fornecer as ferramentas e as técnicas para realizar eficientemente e com maior profissionalismo a atividade de negociação de tratado.

ii. Contato prático com o conteúdo da aula de Direito Internacional Público

Sendo a aula por natureza problematizada, os alunos compreendem mais facilmente as implicações práticas dos temas discutidos. A problematização lhes permite capturar tanto as implicações técnicas quanto as questões de cunho político, diplomático e geoestratégico referente à atividade de negociação de um tratado para reger as situações de pandemia. Foi um momento para ter um contato com as forças e os limites do Direito Internacional. O Professor compartilhou também a sua experiência prática da matéria. Para esse exercício de negociação em especial, o proponente convidou o Embaixador da Bélgica, o Senhor Patrick Herman, para discutir com os alunos após a elaboração do tratado. Essa participação de um Embaixador contribuiu outrossim para reforçar o contato prático com o conteúdo da aula. Sendo assim, os alunos desenvolvem a capacidade de terem uma distância crítica para realizarem a atividade de negociação de tratado.

  1. O contato permanente com a pesquisa

O contato permanente dos alunos com a pesquisa talvez seja a pedra angular da atividade de negociação do tratado sobre a cooperação para reger situações de pandemia. O proponente organizou previamente alguns encontros sobre os métodos e as técnicas de pesquisa. Em seguida, os alunos tiveram que mergulhar nas fontes de pesquisa primárias e secundárias para mapear o estado da arte e para identificar os limites do regime jurídico existente sobre o tema. Aplicando o método de pesquisa explicado na aula, os alunos aprofundaram assim os inúmeros temas discutidos teoricamente nos encontros e testaram a sua aplicabilidade num caso/exercício concreto. Desta feita, por meio desta atividade, a sala de aula torna-se também um laboratório de pesquisa, proporcionado aos alunos uma oportunidade de ter um contato permanente com a pesquisa semestre adentro.

  1. O contato permanente com a aplicação da pesquisa

Por meio da atividade proposta, a pesquisa confeccionada pelos alunos é de cunho dinâmico, isto é, constitui um insumo a ser processado para pensar em soluções aos problemas (jurídicos) concretos. A pesquisa está assim posta a serviço de um processo de problematização — no caso coletiva —, para que os alunos possam aplicar as fontes encontradas em cada etapa da negociação do tratado. Cada artigo do tratado em questão foi elaborado partindo de uma pesquisa profunda e aplicada. Esse exercício permitiu aos alunos compreenderem a função da pesquisa na resolução de problemas reais. Os grupos descobriram a dificuldade inerente ao processo de converter a pesquisa (insumo) em ideias e reflexões (resultado). Da mera descrição estática do que foi pesquisa, deram alguns passos a mais ao terem um posicionamento analítico e argumentativo. Perceberam, no caminho, que o pedido por mais rigor não era apenas do professor, mas também do próprio Direito.

  1. O protagonismo dos alunos

Por óbvio, os pontos (i)-(iv) corroboram que o protagonismo permanente dos alunos é um dos objetivos do exercício. Constitui também um ingrediente do seu sucesso. Por meio da atividade proposta, o professor trilha uma parte do caminho; ora a outra parte deve imperativamente ser feita pelos alunos — que, na experiência do proponente, sempre participam com interesse e seriedade quando o sentido e a utilidade do exercício lhes são devidamente explicados. Ter mais protagonismo enseja mais responsabilidade e profissionalismo no que tange, por exemplo, aos prazos de entrega dos documentos, da capacidade de trabalhar conjuntamente com pessoas até então desconhecidas e de lidar com eventuais desencontros dentro dos grupos. Note-se que o professor não desaparece do cenário e não perde o seu protagonismo. Ele atua como facilitador e como orientador. Ele mostra as portas e explica como se fabricam as chaves, deixando, contudo, aos alunos a liberdade e a responsabilidade de fazerem as suas próprias chaves para abrirem as portas da sua escolha.

QUAIS OS CONTEÚDOS TRABALHADOS NA ATIVIDADE

Os conteúdos se subdividem em duas categorias: a revisão e a aplicação do conteúdo clássico do Direito Internacional (i); o contato com o conteúdo mais moderno do Direito Internacional (ii).

  1. O contato com o conteúdo clássico do Direito Internacional

A atividade permite trabalhar com os temas clássicos do Direito Internacional, estes sendo: as fontes do Direito Internacional; o direito dos tratados (a negociação, os plenipotenciários, as condições de validade, os vícios, a assinatura); o direito consuetudinário internacional; os princípios gerais de direito; a questão do jus cogens; os Estados e as suas competências; as organizações internacionais; a diplomacia; a solidariedade internacional e a cooperação).

  1. O contato com os aspectos mais modernos do Direito Internacional

Negociar um tratado referente à pandemia requer uma conjugação entre o conteúdo clássico do Direito Internacional e os temas mais modernos. Por exemplo, os alunos tiveram que estudar minimamente: o direito à saúde e os seus instrumentos no Direito Internacional no contexto pandêmico; os direitos humanos aplicáveis ao tema; as questões de segurança alimentar e nutricional; a proteção de dados pessoais (na matéria de rastreamento das pessoas infectadas como ocorreu em alguns Estados); o aliviamento das dívidas no Direito Internacional; o direito dos investimentos; a propriedade intelectual e os patentes; a migração dos profissionais de saúde.

QUAIS AS HABILIDADES E COMPETÊNCIAS TRABALHADAS NA ATIVIDADE

As habilidades e competências adquiridas pelos alunos na elaboração da atividade são de uma dupla natureza: técnicas (i) e organizacionais (ii).

  1. As habilidades e competências técnicas

Com um semestre caracterizado pelo contato semanal com a pesquisa, os alunos desenvolveram indubitavelmente uma competência enquanto pesquisadores. Aprenderam paulatinamente a saber hierarquizar as fontes de pesquisa, a trabalhar com as fontes primárias, a dissociar entre as fontes confiáveis e não confiáveis.

Como foi mencionado, um dos objetivos da atividade é a pesquisa aplicada, considerando que o jurista competente deve ser um bom pesquisador e um bom pensador do direito. Logo, os alunos aprenderam também a construir o seu próprio pensamento, a ter as suas próprias conclusões e posicionamento com base na pesquisa realizada além de saber apresentar as suas conclusões de maneira argumentada e convincente. Desenvolveram uma autonomia na construção das suas reflexões e na confecção das suas ideias. A confiança que descobriram nas suas próprias competências depende da confiança que o professor deposita neles na realização da atividade.

Pela pesquisa e pelo esforço de ter um pensamento próprio, os trabalhos de cada grupo de alunos foram corrigidos inúmeras vezes pelo professor. Isso foi útil para saber que a pesquisa é um processo quase artesanal que demanda dedicação, paciência e humildade.

  1. As habilidades e competências organizacionais

A atividade de simulação da negociação de um tratado busca aproximar-se ao máximo da prática. Portanto, neste trabalho coletivo, o exercício obrigou os alunos a desenvolver algumas competências extra-acadêmicas que serão aqui chamadas de ‘organizacionais’.

Primeiramente, os alunos aprenderam a trabalhar em grupo com integrantes que não se conhecem necessariamente no início do semestre. Tiveram assim que compor com alunos tendo pensamentos e formas de trabalhar diferentes. Logo, o sucesso do trabalho dentro de cada grupo demandou respeito e tolerância entre os integrantes. O exercício permite também descobrir ou confirmar perfis de liderança nos alunos.

Num segundo lugar, o respeito e a tolerância aplicaram-se igualmente entre os grupos nas diversas fase da negociação. Os alunos aprenderam a respeitar o posicionamento dos demais grupos participando da negociação mesmo quando não concordaram com este — a ideia sendo de sempre saber dar o crédito ao argumento das outras partes. Esse aspecto organizacional coaduna-se com as habilidades técnicas desenvolvidas no sentido de que o processo de fazer outrem aceitar mais facilmente uma ideia depende em grande parte da capacidade de convencer e de argumentar, capacidade essa que tira os seus fundamentos da qualidade da pesquisa feita.

Em terceiro lugar, os alunos aprenderam a trabalhar com prazos durante todo o semestre. O professor impôs os prazos para a entrega de um relatório antes de cada rodada de negociação. Os grupos tiveram que se organizar para atender a esses prazos. O proponente notou um nivelamento por cima no esforço de respeitar os prazos: isto é, os grupos tendo inicialmente uma tendência de atrasar na entrega dos relatórios se alinharam paulatinamente àqueles que sempre foram mais respeitosos dos prazos.

Dinâmica: 

FORMA DE PREPARAÇÃO DO PROFESSOR PARA A ATIVIDADE (PERGUNTAS FORMULADAS, RESPOSTAS ESPERADAS, RACIOCÍNIO A SER EMPREGADO ETC.)

Preparação pela delimitação do quadro da simulação de negociação de tratado. Para permitir uma discussão técnica sustentável ao longo do semestre, o professor delimitou antes de tudo o quadro da negociação ao tema de cooperação para reger as situações de pandemia e dentro deste quadro fixou, com os alunos, os temas a serem negociados. A delimitação do tema junto com os grupos representando os diversos Estados permitiu ter um fio condutor comum no trabalho coletivo.

Preparação pela elaboração de um plano de trabalho junto com os alunos. Com os insumos oriundos da pesquisa dos próprios grupos de alunos e com base na aplicação das aulas de método de construção de textos jurídicos, o professor ajudou na construção de um plano de trabalho. O plano, sob a forma de um sumário, foi útil ao professor na orientação dos alunos e na fixação de um método de trabalho coletivo. Eis o plano de trabalho:

Tópico 1: Cooperação em matéria de distanciamento social

1. A regulação do rastreamento

1.1. A justificativa do rastreamento frente à excepcionalidade do Covid-19

1.2. A articulação entre o rastreamento de dados e o direito à privacidade

2. A aplicabilidade do princípio da prevenção

2.1. A definição do princípio da prevenção sanitária

2.2. Os métodos do princípio da prevenção sanitária

3. A regulação da informação

3.1. A regulação do acesso à informação

3.1.1. A regulação da transparência ativa

3.1.2. A regulação da transparência passiva

3.2. A regulação de fake News

Tópico 2:  Cooperação para a solidariedade científica

1. A regulação da cooperação para a pesquisa

1.1. A regulação para o financiamento da pesquisa

1.1.1. A criação de um fundo de doação para a pesquisa

1.1.2. A pesquisa financiada pelo mecanismo do PPP

1.2. A regulação para a multilateralização da pesquisa

1.2.1. A organização da publicidade da pesquisa

1.2.2. A organização do acesso à pesquisa

2. A regulação para assistência medical

2.1. A flexibilização de vistos para os médicos visitantes

2.2. A flexibilização das regras de revalidação de diplomas dos médicos visitantes

3. A regulação do acesso aos remédios e aos produtos farmacêuticos

3.1. A regulação da licença compulsória

3.2. A flexibilização das tarefas aduaneiras

3.3. A regulação da troca de remédios contra outros produtos

Tópico 3: A cooperação em matéria de segurança alimentar e nutricional (SAN)

1. A garantia da SAN pelo acesso aos alimentos

1.1. A organização de bancos de alimentos

1.2. A redução de tarefas aduaneiras para os produtos alimentícios de primeira necessidade

2. A regulação do apoio aos fornecedores de produtos alimentícios

2.1. A regulação do apoio aos produtores agrícolas

2.1.1. A previsão de um auxílio emergencial aos pequenos produtores

2.1.2. A formulação de diretrizes sanitárias para os trabalhadores agrícolas

2.2. A regulação de subsídios para as empresas de produtos alimentícios

3. O tratamento dos vulneráveis na regulação da SAN

3.1. A garantia da SAN dos trabalhadores informais

3.2. A garantia da SAN dos refugiados

3.3. A garantia da SAN dos imigrantes ilegais

Tópico 4: A cooperação em matéria econômica

1. A regulação do aliviamento de dívidas em tempos de crises sanitárias

1.1. A regulação do pagamento de dívidas dos países altamente endividados

1.1.1. A previsão do congelamento provisório das dívidas dos países altamente endividados

1.1.2. A flexibilização do pagamento das dívidas dos países altamente endividados

1.1.3. A previsão de meios alternativos para o pagamento das dívidas

1.2. Os condicionantes do regime de flexibilização das dívidas

1.2.1. A elaboração de estudos para identificar os países mais endividados

1.2.2. A produção de relatórios financeiros regulares por país para justificar a flexibilização

1.3. As instituições para o aliviamento de dívidas dos países altamente endividados

1.3.1. A instituição de um Fundo Comum para apoiar os países altamente endividados

1.3.2. A instituição de uma Autoridade Internacional de Dívidas para os países altamente endividados

2. A regulação da proteção dos investimentos em tempos de crises sanitárias

2.1. O princípio: o respeito dos acordos de proteção de investimentos existentes

2.2. O condicionante: o respeito dos acordos considerando o contexto local de cada país.

Preparação por meio da determinação de uma agenda de trabalho. Para esse tipo de atividade de simulação de negociação, precisa-se elaborar previamente uma agenda de trabalho contendo os prazos tanto para as entregas escritas quanto para as diferentes fases da negociação e os seus respectivos temas (conforme o plano de trabalho apresentado supra). A agenda de trabalho potencializa uma melhor organização dos alunos e facilita o acompanhamento do professor.

Preparação por meio do direcionamento das aulas teóricas. Ao preparar as suas aulas de cunho mais teórico, o professor enfatizou os temas que eram de aplicabilidade direta ou indireta à atividade.

Preparação pela organização de tempo para ler e corrigir os relatórios dos grupos. Visto que o professor exigiu a entrega de um certo número de relatórios aos alunos durante o semestre, foi importante reciprocar pela leitura atenta destes. Logo, para esta atividade, o professor não corrige as provas finais ou intermediárias como ocorre no âmbito de uma aula mais ‘clássica’, mas lê e revisa todos os documentos entregues pelos grupos de alunos semestre adentro — nos moldes de uma orientação.

FORMA DE PREPARAÇÃO DOS ALUNOS PARA A ATIVIDADE (LEITURA PRÉVIA, PESQUISAS ETC.)

Preparação para a pesquisa. Os alunos tiveram, antes de tudo, algumas aulas específicas sobre os métodos e as técnicas de pesquisa.

Preparação para a aplicação da pesquisa às problemáticas da negociação. No mesmo sentido, a parte da aula sobre o método abarcou as técnicas de problematização e de sintetização das ideias e da construção sistematizada e categorizada dos resultados. Portanto, os alunos começaram a atividade já tendo um preparo metodológico. Trata-se de uma formação prévia determinante para o restante da atividade.

Preparação por meio de uma orientação permanente do professor. Por óbvio, mesmo tendo uma pré-formação metodológica, a atividade requer uma orientação permanente do professor — assim como ocorre no acompanhamento de uma monografia, de uma dissertação ou de uma tese. O professor indica o caminho das pedras, corrige os trabalhos dos alunos e valida (ou invalida) as suas pistas de reflexão. Aos alunos, é previamente explicado que é normal errar muito na iniciação à pesquisa.

Preparação por meio das aulas teóricas. Paralelamente a atividade, as aulas teóricas continuam semanalmente. Os alunos têm assim um contato técnico e teórico com os temas que discutem na negociação do tratado. Eis algo que lhes proporciona um quadro mais seguro para prepararem a negociação do tratado. Durante as aulas teóricas, os alunos conseguem sanar as dúvidas referentes à atividade. É uma forma eficiente para compreender e testar a aplicabilidade dos instrumentos jurídicos discutidos nas aulas.

Preparação por meio da disponibilização de uma biblioteca virtual. O Professor disponibilizou também uma biblioteca virtual na plataforma Google Classroom utilizada pela instituição. A biblioteca virtual contém tanto livros e artigos clássicos do Direito Internacional quanto os documentos mais específicos sobre o tema da atividade (direito internacional e saúde; direito internacional e situações extraordinárias; migração de médico; segurança alimentar; patente etc.). No contexto da pandemia e do ensino remoto a biblioteca virtual foi um meio muito útil para o acesso às fontes visto que as bibliotecas estavam fechadas. A modalidade da biblioteca virtual pode ser mantida mesmo para as aulas presenciais.

DETALHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE DENTRO E FORA DE SALA DE AULA E INTERAÇÃO ENTRE ALUNOS E PROFESSOR.

Desenvolvimento da atividade dentro de sala de aula

  1. Antes de iniciar a atividade per se, os alunos tiveram alguns encontros sobre o método de pesquisa e de construção de textos jurídicos. Aprenderam assim inicialmente as ferramentas que aplicaram depois durante a fase material da atividade.
  2. Num segundo momento, os alunos aplicaram os métodos de pesquisa para fazer um levantamento das problemáticas e dos relevantes no que concerne à negociação de um tratado sobre a cooperação internacional para reger as situações de pandemia. Os resultados preliminares foram discutidos em rodadas de negociação preliminar dentro de sala de aula.
  3. A negociação se prosseguiu com a delimitação de um plano de trabalho abarcando os temas e as problemáticas elencados na fase anterior. Cada grupo teve que justificar e defender o porquê da inclusão de determinados temas no bojo do tratado. Essa atividade os obrigou a apresentar as suas propostas e o seu posicionamento de maneira fundamentada e argumentada. O plano de trabalho foi apresentado num item anterior deste documento (parte referente à preparação do professor, vide supra). O plano está dividido em 4 tópicos, sendo estes: a cooperação em matéria de distanciamento social (tópico 1); a cooperação para a solidariedade científica (tópico 2); a cooperação em matéria de segurança alimentar (tópico 3); a cooperação em matéria econômica (tópica 4 — que trata em especial do aliviamento das dívidas dos países em desenvolvimento). Cada tópico destrincha-se em subitens temáticos. Cada um foi o objeto de uma ou mais rodadas de negociação para decidir quais seriam in fine incorporados na versão final do tratado.
  4. Com o plano de trabalho assim definido, organizou-se uma rodada de negociação por semana para discutir de um ou de mais temas.
  5. Cada negociação organizou-se em torno de uma problemática referente ao tema em pauta. O professor auxiliou os grupos a delimitar a problemática juridicamente. Definir uma problemática é uma forma para tornar o debate (a negociação) produtivo rumo a encontrar um resultado concreto ou uma solução. Permite ter um objetivo comum, uma meta. Por exemplo, no tópico 1 sobre a cooperação internacional em matéria de distanciamento social, a problemática definida foi de saber se a regulação do rastreamento das pessoas infectadas viola o direito humano à privacidade. Cada grupo (cada Estado) teve que se posicionar sobre a problemática e no final, após várias tentativas de costurar os posicionamentos divergentes, decidiu-se que: (i) o rastreamento é justificado frente à excepcionalidade do Covid-19; (ii) há uma articulação jurídica possível entre o rastreamento de dados e o direito à privacidade. Esses dois pontos são dois dos subitens do tópico 1 como aparece no plano de trabalho (vide supra). Trata-se aqui apenas de uma ilustração para explicar como as rodadas de negociação foram calibradas. Todos os itens do plano de trabalho passaram pelo mesmo ritual de discussão.
  6. O professor participava como secretário e facilitador das negociações.
  7. Para tratar de tratar de todos os itens do plano de trabalho, cada grupo (cada Estado) apresentou a sua proposta num fichamento com os seguintes itens: (a) o contexto da pesquisa; (b) o problema jurídico; (c) a proposta em si; (d) os argumentos jurídicos para sustentar a proposta; (e) o método para construir os argumentos. O fichamento permitiu ter uma síntese do posicionamento de todos os grupos sobre todos os temas. A sintetização ajudou, portanto, a padronizar a forma de trabalho, o que gerou uma melhor comunicação entre os grupos nas fases orais da negociação. 
  8. Cada item do plano de trabalho foi discutido durante o semestre no final do qual os grupos negociaram o tratado em si. Nas últimas semanas do semestre — com a pesquisa já avançada –, os grupos elaboraram uma versão preliminar do tratado cujo conteúdo foi então debatido até lograr um texto consolidado aprovado por todos.
  9. Como mencionado, no último encontro do semestre, os grupos apresentaram o modelo de tratado ao Embaixador da Bélgica com quem organizou-se um debate depois.

Desenvolvimento da atividade fora de sala de aula

  1. A maioria das atividades feitas dentro da sala de aula demandou uma preparação preliminar dos grupos fora da sala.
  2. O professor determinou o quadro de trabalho composto, por exemplo, pelo método de pesquisa e de construção de texto jurídico, pelo plano de trabalho, pela técnica de fichamento. Os alunos pesquisaram sempre seguindo esta ordem: (i) os textos normativos; (ii) as resoluções, os pareceres e os outros documentos relevantes das organizações internacionais; (iii) a jurisprudência; (iv) a doutrina; (v) os jornais de notícias. Com base nisso, cada grupo teve a liberdade de determinar a sua própria organização interna para preparar os fichamentos e as fases orais da negociação.
  3. Antes das fases orais, cada grupo enviou o seu fichamento ao professor para uma avaliação. Esse trabalho de orientação foi feito semanalmente durante todo o semestre. O tempo de correção para o professor era inicialmente maior visto que os alunos estavam numa fase de compreensão do exercício. Contudo, depois de algumas semanas o método de trabalho começou a ser mais dominado, o que reduziu cada vez mais o tempo de correção do professor. Toda a parte da pesquisa e da elaboração dos relatórios e dos fichamentos foi feita fora da sala de aula. A sala de aula era uma plataforma para discutir os resultados.
  4. O coordenador de cada grupo mantinha um contato permanente com o professor para sanar as dúvidas ou para informar sobre eventuais problemas interno ao grupo.
  5. O professor manteve um canal de comunicação permanente com todos os alunos por meio do mural do Classroom.
  6. Os alunos foram também incentivados a: (a) manter-se atualizados ao ler os jornais de notícia; (b) conduzir entrevistas com os agentes do Estado competentes sobre o tema da negociação; (c) conhecer melhor a cultura do Estado que representavam.
  7. Alguns grupos de alunos representando os Estados politicamente alinhados se reuniram (virtualmente) fora da sala de aula para uniformizar as suas estratégias.

Avaliação: 

MATRIZ DE AVALIAÇÃO DOS ALUNOS (CRITÉRIOS UTILIZADOS TANTO PARA A RESPOSTA DE DESEMPENHO QUANTO PARA A FORMA DE ATRIBUIÇÃO DE NOTAS)

Institucionalmente, três menções são atribuídas por disciplina com base em duas avaliações no decorrer do semestre. Tem-se uma avaliação de meio-semestre (Menção 1) e uma avaliação do final de semestre (Menção 2). A menção final é a soma das menções 1 e 2. Como a atividade proposta foi desenvolvida durante todo o semestre, ela foi a base das duas avaliações. A matriz de avaliação embasou-se em duas partes conectadas: uma avaliação escrita (i); uma avaliação oral (ii). Será aqui também preciso explicar a filosofia desta avaliação (iii).

  1. A avaliação escrita

A avaliação escrita consistiu primeiramente na elaboração dos relatórios temáticos (trabalhos preparatórios) — embasados numa pesquisa rigorosa — para formular cada artículo do tratado. Havia um relatório por tema — e por grupo. Os temas constam no plano de trabalho supra. Em segundo lugar, a avaliação escrita abarcou também o texto do tratado em si tal como elaborado pelos alunos. Para a avaliação do meio-semestre, avaliou-se os relatórios temáticos; para a avaliação do final do semestre, avaliou-se os relatórios temáticos finais e o tratado em si.

Os resultados dos trabalhos coletivos deste tipo são obviamente influenciados pela dinâmica vigente dentro dos grupos de alunos. Lembra-se que é o professor que determinou os grupos. Pode haver uma sintonia perfeita em alguns grupos e alguns desencontros em outros. Um método de avaliação justo para o trabalho escrito é o seguinte — Opção 1: os nomes dos integrantes de cada grupo aparecem apenas na capa dos relatórios e, nesse caso, significa que a nota será coletiva; Opção 2: os nomes dos integrantes aparecem na capa dos relatórios e após a parte que cada um/a escrever e, desta feita, a nota é individualizada. Na experiência do proponente esse método de alocar as notas sempre teve resultados positivos.

  1. A avaliação oral

A formação completa do jurista requer competências múltiplas e a capacidade de expressar-se publicamente é indiscutivelmente uma destas. Infelizmente, não há uma ênfase cabal posta para desenvolver essa competência na graduação. Apenas alguns alunos que participam de competições de tribunais simulados (moot courts) logram ter um contato mais efetivo com a atividade de debate. Por isso, a negociação, objeto da atividade, contém uma vertente oral que se coaduna com as fases de produção de documentos escritos. Se os grupos de alunos prepararam relatórios semanais, eles tiveram também uma exposição permanente ao debate por meio das negociações do tratado. Logo, a menção engloba também a avaliação oral. Visto que são várias rodadas de negociação, todos os integrantes de cada grupo têm a oportunidade de participar dos debates orais.

  1. A filosofia geral da avaliação

Os alunos costumam assustar-se um pouco no início do semestre quando o professor apresenta os trabalhos a serem realizados durante o semestre. São exercícios e propostas que os afastam da zona de conforto na qual o professor fala e o aluno escuta e na qual são incentivados a serem mudos e passivos frente ao docente falante e surdo. Neste contexto, a atividade constitui uma mudança de paradigma para a maioria dos alunos e requer uma certa compreensão da parte do professor. Por isso, para essa atividade, avalia-se sobretudo o esforço que fazem os alunos para serem juristas competentes, a vantagem sendo que se tem todo o semestre para que o professor possa acompanhar o seu desempenho. No caso, essa informação é passada aos alunos. Para o proponente, prefere-se um aluno ou uma aluna que se esforça para construir uma reflexão própria/um raciocínio próprio com base num trabalho de pesquisa — mesmo errando nesse processo —, àquele ou àquela que se limita a apenas repetir o que foi estudado na aula ou o que encontro em livros e manuais. Nesta filosofia de avaliação, os alunos têm menos inibições a arriscarem um pensamento próprio. O professor não corrige apenas um trabalho final objetivo, mas acompanha e avalia a construção dos trabalhos de cada grupo e de cada aluno no decorrer de um semestre. Nos moldes de uma orientação, cabe então ao professor guiar e corrigir os alunos no seu desenvolvimento como juristas competentes e profissionais.

Sendo assim, a avaliação torna-se parte da própria formação; é algo que os alunos levam para o restante da sua graduação e da sua vida profissional.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES DE “CONSOLIDAÇÃO” A SEREM DESENVOLVIDAS PELOS ALUNOS (ATIVIDADES EXTRACLASSE)

Algumas atividades são, de fato, sugeridas aos alunos paralelamente ao trabalho sobre o núcleo duro da atividade (a negociação do tratado). São estas:

Entrevistas com agentes do Estado ou outros profissionais cujas competências são relevantes para o tema. Os alunos são incentivados a fazerem contatos com diplomatas ou outros agentes do Estado para testarem as suas ideias e para discutirem com os profissionais que atuam com o tema na ponta.

Acompanhamento das notícias. A atividade força os alunos a acompanharem as notícias para que se mantenham atualizados sobre o tema.

O interesse sobre a cultura dos Estados que os alunos representam despertado pela atividade. Os alunos começam a ter mais curiosidade para conhecer melhor os Estados que representam e a sua cultura. Algumas vezes, sequer sabiam o nome do Estado antes do semestre.

Desenvolvimento de estratégias de realpolitik em filigranas da negociação. O proponente notou com interesse que alguns grupos representando Estados ‘alinhados’ politicamente se consultaram fora dos momentos de negociação para elaborarem estratégias comuns na busca da consolidação do seu posicionamento e para ter mais peso nas negociações.

Observações: 

CUIDADOS TOMADOS PARA QUE A ATIVIDADE ALCANÇASSE OS OBJETIVOS PLANEJADOS

  1. As regras do jogo devem ser claramente postas e explicadas desde o início do semestre e devem ser frequentemente reiteradas durante o semestre.
  2. A fixação do plano de trabalho — delimitado e determinado juntamente pelo professor e pelos grupos — é de suma importância para que os alunos tenham um quadro de atividades seguro.
  3. O estabelecimento de prazos é outrossim fundamental para que o trabalho coletivo seja viável
  4. O proponente nomeou também um/a coordenador/a para cada grupo. O coordenador atua como ponto focal do professor para agilizar a troca e para manter a coerência dentro dos grupos.
  5. O professor deve imperativamente acompanhar o desempenho de cada grupo ao ler e corrigir os seus relatórios. Deve apontar os pontos fracos e indicar pistas para melhorar o desempenho. O proponente utilizou o mural do Classroom como plataforma de perguntas e respostas durante o semestre.
  6. É importante salientar os resultados positivos nos trabalhos dos alunos ao mostrar-lhes, por exemplo, como houve uma evolução nos seus relatórios ou nas suas arguições. Às vezes, os alunos não têm a distância suficiente para perceberem essa evolução. É o papel do professor destacar os resultados positivos para que os alunos possam avaliar se a experiência foi um divisor de águas ou não.

Tempo de aplicação: 

A atividade foi desenvolvida num período de um semestre, com um encontro (uma negociação) de 1h40 por semana. A atividade na sala de aula tem como objetivo a discussão dos resultados, frutos da pesquisa. Logo, cada grupo realizou um trabalho considerável, fora de sala de aula, de, no mínimo,  2h a 3h por semana.

O tempo dedicado ao trabalho pode parecer importante, porém é relevante lembrar que esse tempo não é individual, mas é distribuído entre os integrantes de cada grupo.

Detalhes da atividade

Nome: 

O ensino remoto do Direito Internacional Público via simulação de negociação de tratado sobre a cooperação para reger situações de pandemia

Instituição: 

Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)

Área de concentração: 

  • Direito Internacional

Disciplinas: 

Direito Internacional Público

Curso: 

  • Direito

Palavras-chave: 

  • negociação
  • Tratado
  • simulação
  • Protagonismo
  • Participação

Número de alunos: 

35

Tempo de aplicação: 

1 semestre: encontros semanais de 1h40min

Edição: 

Deíse Camargo Maito
Tatiane Guimarães

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