Diplomacia em sala de aula

Aprendendo a teorizar com um jogo de tabuleiro

Publicado em 08 dez. 2020. Última atualização em 08 dez. 2020
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

Ementa: 

Trata-se de proposta pedagógica desenvolvida durante um semestre de aulas a partir da reflexão e da sistematização das experiências vividas durante uma partida do jogo de tabuleiro Diplomacy, que simula a dinâmica de cooperação em condição de anarquia. Alunos e alunas precisaram teorizar sobre as interações entre os Estados e sobre a importância da cooperação internacional e os fatores que a possibilitam ou dificultam. Divididos em grupos, os alunos jogaram - fora do horário de aulas - uma partida (play-by-email via website www.backstabbr.com) do jogo Diplomacy e elaboraram um relato do jogo buscando empregar os conceitos teóricos vistos em sala para explicar e dar sentido aos movimentos e decisões tomadas durante a partida. O relato foi apresentado em versão preliminar que foi corrigida, devolvida aos grupos com feedback para reformularem e apresentarem uma versão final. Essa atividade articulou o conteúdo programático e o desenvolvimento das competências cognitivas previstas no plano de ensino da disciplina e foi base para a atribuição da menção final.

 

Prêmio de Menção Honrosa na 3ª Edição do Prêmio Esdras de Ensino do Direito (2020).

Atividade sem revisão pelo autor.

Objetivo: 

OBJETIVOS GERAIS:  A disciplina Regulação de Relações Internacionais é preparatória para as disciplinas da área de Direito Internacional Público no currículo do Curso. Ministrada no 2º semestre do curso, em paralelo à disciplina “Teoria Geral do Estado”, e em seguida à de “Teoria Política”, visa aproveitar as discussões sobre a história e estrutura do Estado Moderno e ampliá-las para a compreensão do sistema internacional que se organizou com a formação dos Estados europeus, expandiu-se pelo mundo com o colonialismo (Sécs.. XV-XVIII) e o imperialismo (Sécs. XIX-XX), tornando-se verdadeiramente um sistema global com o processo de descolonização na Ásia e na África, após a II Guerra Mundial.

Essa compreensão é necessária para o entendimento da juridicidade do Direito Internacional Público (disciplina do 3º semestre do curso), bem como de seus limites e possibilidades, porque uma compreensão realista desse direito e da forma como ele regula as condutas estatais demanda a ciência dos fatores que permitem ou impedem a cooperação entre os Estados na condição em que se dá sua convivência: o sistema anárquico de estados independentes.

Esse é o cenário em que se desenrola uma partida de Diplomacy, na qual os jogadores, cada qual controlando uma das potências europeias (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Áustria-Hungria, Turquia e Rússia) em 1914, têm de se expandir e dominar metade do mapa de jogo. Isso é feito em turnos compostos de 3 fases: 1) negociação, em que os jogadores negociam acordos sobre como movimentarão suas unidades; 2) definição de ordens, em que os jogadores definem os movimentos de cada uma de suas tropas, não sendo obrigatório o cumprimento dos acordos fechados na fase de negociação; 3) resolução, em que, a partir das ordens dadas pelos jogadores, definem-se as posições das unidades no mapa. Assim, ao colocar alunos e alunas no papel de Chefes de Estado, tendo de tomar decisões estratégicas – nas quais o resultado da ação individual depende da interação com a ação de outro ou outros – num modelo estilizado do sistema internacional de estados, desprovido de mecanismos coercitivos centralizados que garantam a observância das promessas feitas, o jogo ajudou a dar concretude aos conceitos teóricos abstratos que a teoria de relações internacionais desenvolveu para dar conta do desafio de explicar as interações entre os atores estatais, facilitando sua compreensão.

Além disso, participar do jogo também favoreceu, por meio da experiência do processo de tomada de decisão, a reflexão tanto sobre como são tomadas decisões nesse tipo de situação, quanto sobre a adequação dos conceitos teóricos para a explicação dessa realidade. A atividade motivou essa reflexão com a exigência de apresentação de um relato – individual e, posteriormente, em grupo – em que os conceitos teóricos da disciplina tiveram de ser empregados para explicar as ações dos jogadores na partida. Em resumo, a atividade favoreceu o desenvolvimento de competências cognitivas superiores relativas a todo o conteúdo da disciplina.

Indo além dos objetivos meramente disciplinares, esse conteúdo serviu de mote, na atividade aqui descrita, para o desenvolvimento da habilidade de teorizar a realidade, mobilizando conceitos teóricos na explicação/compreensão de fatos concretos e na formulação de estratégias de ação, visando colaborar no desenvolvimento dos objetivos formativos fixados nos incisos II a V do art. 4º das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito (Resolução CNE/CES nº 5, de 17 de dezembro de 2018).

O desenvolvimento dessa habilidade também visou auxiliar na formação de egressos com o perfil desejado pelo Projeto Político Pedagógico do Curso, em especial no desenvolvimento das competências de “criar e interpretar dados empíricos sobre o contexto regional e nacional que permitam a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas” e de “aplicação dos conhecimentos teóricos em situações do cotidiano profissional de forma crítica, tanto no setor público quanto no privado, nos planos contencioso e consultivo e nas dimensões coletiva e individual” (item 3.2 do PPP).

 

HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS: 

A atividade visou trabalhar todo o espectro das competências cognitivas (cf. a Taxonomia de Bloom) no que se refere ao conteúdo programático da disciplina, desde a memorização e a compreensão dos conceitos teóricos estudados em sala e na bibliografia do curso, mas também a aplicação desses conceitos a uma situação concreta de tomada de decisão e a análise de como outros empregam esses conceitos em seus processos decisórios. Por fim, a atividade se realizou num cronograma em que se esperava que a exposição do conteúdo e a progressão do jogo fornecessem aos alunos e alunas as ferramentas para refletir criticamente sobre a correção e a adequação das explicações e previsões fornecidas pelas vertentes teóricas de Relações Internacionais, conscientizando-os sobre as limitações de todas elas para dar uma explicação global sobre todos os fenômenos internacionais.

O método de elaboração do relato final sugerido pelo professor – relatos elaborados individualmente, discutidos em grupo para a formulação de conclusões sobre a partida, que foram o objeto do relatório final – também visou capacitar a turma no método de sistematização e compartilhamento de experiências, importante no campo da pesquisa participante, como desenvolvido por Oscar Jara Holliday.

 

CONTEÚDOS TRABALHADOS: 

A atividade abarcou todo o conteúdo da disciplina, que contempla três das vertentes clássicas da Teoria de Relações Internacionais (realismo, liberalismo e a escola inglesa), descrevendo como cada uma delas concebe o sistema internacional e as possibilidades para a cooperação internacional, tentando identificar se e qual papel cada uma atribui para algo que possa ser denominado de Direito Internacional (que, no jogo, surgiu na questão da incerteza acerca do cumprimento de acordos entre os jogadores). De forma mais específica, o jogo permitiu visualizar na prática certas situações que são tratadas de forma abstrata e formal pela teoria dos jogos, que também integra o conteúdo da disciplina, em especial o dilema dos prisioneiros, dando maior concretude para conceitos como o de equilíbrio de poder, jogos de soma zero, sombra do futuro, alianças flexíveis, razão de Estado, colaboração e cooperação.

Dinâmica: 

MÉTODO DE ENSINO:  Jogos

 

PREPARAÇÃO DOCENTE PRÉVIA: Como a atividade se prolongou por todo o semestre, apresentamos a preparação necessária para o professor em etapas.

1)    Na etapa preparatória da atividade, o professor releu as regras do jogo (foram usadas as da edição lançada pela Grow nos anos 1970) e se familiarizou com o funcionamento do site utilizado para a realização das partidas (www.backstabbr.com). Também foi preciso que o docente criasse as mesas de jogo, nas quais atuou como árbitro (gamemaster). As regras são simples, mas dominar a linguagem específica das ordens para as unidades poderia ser (e foi) um desafio para a turma, então ser capaz de explicar o fluxo das ações no jogo e tirar as dúvidas dos alunos sobre a mecânica foi essencial. Cada grupo de jogadores teve de realizar uma partida de teste para se acostumar com a mecânica do jogo e do site, e isso gerou muitas dúvidas que não apareceram na explicação das regras em sala de aula. Em 2019, quando foi aplicada a atividade, essas aulas aconteceram ao final do primeiro mês do curso e isso acabou deixando o calendário muito apertado no semestre, razão pela qual, em aplicações futuras, essa preparação será feita logo nas duas primeiras aulas do curso.

2)    Durante as demais aulas, quando estava sendo trabalhado o conteúdo da disciplina, sempre que possível pedia para os alunos relacionarem o que estava sendo visto em sala com situações que ocorriam nas partidas. Pela progressão do conteúdo da disciplina, o que esperava é que, tendo iniciado o semestre com o exame da teoria realista, a turma se concentrasse mais nos aspectos de conflito e incerteza nas primeiras aulas, deixando de ver os espaços e incentivos para a cooperação que o jogo oferece. Ainda assim, queria saber se a turma, ao menos em parte, identificaria espontaneamente as limitações dessa abordagem para uma estratégia vencedora no jogo, que tem de incorporar, em alguma medida, um espaço para a cooperação e a confiança nos oponentes;  isso só ocorreu, contudo, quando foi ministrado o tópico dedicado ao liberalismo e a turma teve contato com as ferramentas conceituais com que essa teoria estrutura sua visão das relações internacionais. Isso facilitou a análise, na terceira parte do curso, da Escola Inglesa de teoria de Relações Internacionais, que efetua uma articulação entre o ceticismo realista e o racionalismo liberal que, parece, ficou mais claro para os alunos com a experiência do jogo. Infelizmente, o início tardio dos jogos e a tentativa de manter o anonimato dos jogadores em cada partida impediu que se utilizassem em sala exemplos concretos de situações que ocorreram nas partidas, principalmente visando recuperar episódios em que tivesse havido cooperação, tentando identificar as características dessas situações que fizeram a cooperação possível (ausência de percepção de ameaça, ganho de longo prazo, reciprocidade, conhecimento do outro, ameaça comum etc.). Ainda assim, o uso de situações do jogo, mesmo que hipotéticas, em sala de aula forneceu elementos que ajudaram na elaboração dos relatos escritos que foram apresentados ao final do semestre, evitando que a turma tivesse de realizar um trabalho de teorização para o qual não fora capacitada pelo docente.

 

PREPARAÇÃO PRÉVIA DE ESTUDANTES: Novamente, como a atividade se prolongou por todo o semestre, a preparação do aluno para ela se confundiu com o estudo necessário para a disciplina.

1)    No que se refere a leituras, era esperado que toda a bibliografia básica do curso fosse lida, tanto para as atividades em sala, quanto para a reflexão sobre a partida, quanto ainda para a elaboração do relato escrito final. Ela não era necessária para jogar a partida, mas para refletir sobre o que ocorreu no jogo, e sua apresentação e discussão seguiu, portanto, a ordem das aulas.

2)    Especificamente para o jogo, a leitura das regras, assim como das orientações do professor para a partida, foi evidentemente obrigatória. A simplicidade das regras do jogo é enganosa, porque a total ausência de sorte no jogo e a imensa variedade de situações que podem acontecer numa partida com 7 jogadores, somadas ao elemento de negociação, tornam o Diplomacy um jogo extremamente difícil de dominar; por isso alguma pesquisa sobre estratégias de jogo e sobre aberturas mais eficientes para cada um dos países representados no jogo, era muito recomendada, visando evitar erros básicos que, quando não levassem a uma eliminação precoce do jogo, poderiam acabar com a competitividade do jogador, limitando demais suas possibilidades de ação e prejudicando seu aprendizado (e o dos demais) com o jogo, além de prejudicar o elemento de diversão que se queria que o jogo traga para os alunos e alunas.

 

INTRODUÇÃO DA DINÂMICA: 

1ª Etapa – em sala - preparação do jogo (2 aulas/4 horas): Uma partida de Diplomacy é demorada, por isso é recomendado que a preparação do jogo comece já nas primeiras aulas, com a explicação das regras e da ferramenta (Backstabbr), e com a formação dos grupos de jogo (7 jogadores por grupo), iniciando-se as partidas de teste o mais cedo possível; quando aplicada a atividade, em 2019, os grupos só foram montados após um mês de aulas, o que acabou restringindo o calendário da atividade. Nessa etapa, os alunos e alunas receberam as regras do jogo, o mapa do tabuleiro, a ficha de registro de ordens e as regras de conduta de negociação (cf. Anexo 1). A apresentação do jogo em sala de aula foi feita com a projeção do site Backstabbr via datashow. Com os grupos formados, o professor criou as mesas de jogo no Backstabbr e adicionou os e-mails dos alunos. O uso do site é gratuito, exigindo apenas a criação de uma conta.

 

DESENVOLVIMENTO DA DINÂMICA: 

2ª Etapa – extraclasse – partida de treino (de 5 a 10 horas – levou em média 10 dias, com um turno jogado por dia): cada grupo foi instruído a jogar ao menos 10 turnos de jogo para se acostumar com as regras e o funcionamento do Backstabbr e para entender as dinâmicas estratégicas do jogo. Recomendei à turma que utilizassem a função “sandbox” do site, que permite testar as ações planejadas e verificar seus resultados no jogo antes de enviar as ordens definitivas ao sistema.

3ª Etapa – extraclasse – jogo (de 10 a 20h – levou em média 20 dias com um turno por dia): cada grupo jogou uma partida de Diplomacy até o fim. Nesta etapa, busquei ficar atento à progressão das partidas no Backstabbr, visando identificar jogadores que não estavam participando do jogo, o que poderia prejudicar o aproveitamento da atividade para o grupo como um todo. Sugeri que cada jogador registrasse as razões pelas quais decidia, a cada turno, se confiaria ou não nas promessas dos oponentes, de modo a facilitar a elaboração do relatório.

4ª Etapa – em sala – aulas sobre o conteúdo da disciplina (11 aulas – 22 horas): o conteúdo programático da disciplina foi trabalhado em sala de aula, de acordo com as estratégias didáticas escolhidas no plano de ensino. Como os grupos foram formados tardiamente, as partidas acabaram se prolongando durante quase todo o semestre, impedindo o uso de eventos ocorridos nas partidas como exemplos em sala de aula, porque se queria manter o anonimato dos jogadores. Adiantando-se essa fase, é possível que, a partir da segunda metade do curso, a maioria dos grupos já tivesse terminado suas partidas, e os jogos poderiam ter fornecido exemplos de aplicação dos conceitos examinados em aula, o que poderia ajudar bastante os alunos na tarefa de elaborar o relatório escrito final. De toda forma, durante as aulas, frequentemente usava situações hipotéticas de jogo como exemplo de conceitos que estavam sendo estudados.

 

ENCERRAMENTO: 

5ª Etapa – extraclasse – elaboração de relatório escrito (11 a 14 horas): cada jogador, a partir do registro de suas decisões na partida, teve de elaborar um breve relato de como foi o jogo de seu ponto de vista, por que razões tomou cada decisão, porque desconfiou ou não que seria traído por outro jogador. Com base nesses relatos, o grupo deveria identificar padrões nos comportamentos dos jogadores que permitissem, com emprego dos conceitos teóricos da disciplina, explicar quando e por que ocorreu (ou não) cooperação durante a partida (Cf. a Proposta de Avaliação no Anexo 2).

6ª Etapa – Correção e reformulação dos relatórios (20 horas para o professor – de 1 a 8 horas para os grupos) – O professor corrigiu os relatórios dos grupos e, a partir das correções e comentários, os grupos apresentaram uma versão corrigida, que foi usada para a atribuição da menção final. Por conta do cronograma apertado com o início tardio das partidas, esse feedback foi dado apenas por escrito, mas o ideal seria um encontro com cada grupo para conversar sobre o trabalho final, inclusive para estimular a participação de todos e permitir uma avaliação mais individualizada.

Avaliação: 

A avaliação da atividade foi feita tendo como base o relato escrito apresentado pelo grupo. A rubrica de correção (cf. anexo 3) considerou como dimensões a serem avaliadas a) a correção conceitual (peso 3); b) a relação dos conceitos com o jogo (peso 3); c) a estrutura do argumento  (peso 2,5) e d) a correção linguística  (peso 1,5). Cada dimensão tinha 5 níveis, Insuficiente (0%), Razoável (25%), Bom (50%), Muito Bom (75%) e Excelente (100%), a nota do trabalho resultando da soma das notas atribuídas a cada dimensão de acordo com o nível alcançado. As descrições dos níveis das dimensões na rubrica foram construídas de acordo com a metodologia dos quesitos do Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação (IACG) do INEP, considerando-se o Bom como o padrão de avaliação – o mínimo exigido para a aprovação – e os demais níveis construídos a partir da falta de elementos caracterizadores do Bom (Razoável e Insuficiente) ou da presença de elementos adicionais aos caracterizadores do Bom (Muito Bom e Excelente).

As duas primeiras dimensões, que compõem, numericamente, 60% da nota final do trabalho, correspondem aos objetivos da disciplina: o domínio básico dos conceitos teóricos vistos em aula (referente às competências cognitivas de baixo nível – lembrar e compreender) e o domínio avançado desses conceitos (referente às competências cognitivas de alto nível – aplicar, analisar, avaliar, sintetizar). A rubrica foi montada de forma a viabilizar, conforme o plano de ensino da disciplina, que o aluno obtivesse a nota necessária para a aprovação demonstrando, num texto organizado e escrito de forma clara, o domínio das competências cognitivas de baixo nível (objetivo mínimo da disciplina) e obtivesse notas maiores à medida que demonstrasse o domínio das competências cognitivas de alto nível. Assim se evidencia a compatibilidade da rubrica e do instrumento de avaliação com os objetivos fixados no planejamento da disciplina, de acordo com o plano do componente curricular que integra o Projeto Político Pedagógico do Curso.

Após a entrega da versão preliminar do trabalho, os relatos foram corrigidos conforme a rubrica e devolvidos, com comentários escritos ressaltando pontos fracos e positivos do texto, para os alunos os reformularem. A nota final foi calculada a partir da versão revisada do trabalho, entregue 2 semanas após o recebimento da correção da versão preliminar.

Observações: 

Esta proposta pedagógica foi aplicada, pela primeira vez, em 2018. Então, como ainda não conhecia o Backstabbr – a ferramenta me foi apresentada por um aluno da turma de 2018 – a atividade foi desenvolvida, originariamente, com uma edição física do jogo de tabuleiro, adquirida pela IES para esse fim. Como somente uma caixa do jogo estava disponível, optei por um formato em que um grupo de 21 alunos (3 por país no jogo) de cada turma jogou uma partida em sala, que foi observada pelos demais alunos (cerca de 30); ao final, cada grupo que jogou a partida tinha de elaborar um relato de sua experiência à luz dos conceitos teóricos do conteúdo da disciplina, enquanto os demais, os observadores, deveriam fazer o mesmo, mas a partir de sua posição como espectadores das decisões tomadas pelos jogadores. Eu imaginava, à época, que isso pudesse simular a diferença de posição – proposta, por exemplo, por Martin Wight e Hedley Bull – entre estadistas e analistas de política externa; ocorre que essa forma de organizar a atividade se mostrou pouco produtiva, porque a condução do jogo ao vivo se revelou muito arrastada – fazendo com que alguns alunos espectadores perdessem o interesse ou não conseguissem acompanhar o que ocorria – e, como apenas uma partida pode ser jogada por turma, muitos estudantes que gostariam de ter jogado não puderam fazê-lo e se frustraram com isso, o que se refletiu no seu desempenho final.

Em 2019, que corresponde à aplicação aqui relatada, o uso da ferramenta online permitiu que o jogo transcorresse fora da sala de aula e que todos da turma pudessem jogar, resolvendo os dois problemas principais observados em 2018. Contudo, como eram cerca de 100 alunos jogando (2 turmas de 50 estudantes), foram 13 partidas ocorrendo simultaneamente, algumas com intensa comunicação entre os jogadores, o que acabou sobrecarregando bastante o professor no acompanhamento dos jogos – foi necessária a ajuda de um monitor voluntário, que havia participado da atividade no ano anterior, para fazer esse acompanhamento. Ainda assim, na maior parte dos casos, o acompanhamento se limitou a garantir que os alunos não perdessem rodadas sem dar ordens, estimulando-os a não desistir e continuar a partida.

Uma alternativa a isso é estabelecer que cada país seja representado por uma dupla, o que diminuiria o número de partidas pela metade, tornando a carga de trabalho para acompanhamento menos cansativa; isso também poderia ter a vantagem de diminuir a carga para os alunos menos acostumados com jogos de estratégia, que poderiam dividir com um colega a tarefa de comandar as tropas, evitando que, como ocorreu em muitas partidas em 2018, alguns países tivessem comportamentos totalmente aleatórios, ou então deixassem de se mover, o que prejudica a experiência dos demais que estão investidos no jogo. O problema dessa estratégia é que, para aqueles que não se interessam pelo jogo, fica mais fácil deixar de fazer a atividade, inviabilizando a proposta pedagógica da atividade.

 

SUGESTÕES DE ATIVIDADES DE “CONSOLIDAÇÃO” A SEREM DESENVOLVIDAS PELOS ALUNOS (ATIVIDADES EXTRACLASSE): Como se trata de uma atividade bastante exigente do ponto de vista do tempo extraclasse dos alunos e alunas, e que já visa fazer a consolidação dos conhecimentos vistos em sala de aula, não parece recomendável sugerir outros trabalhos extraclasse que possam ser feitos. Ao revés, são certas atividades em sala que podem ser utilizadas para ajudar a turma a desenvolver as habilidades que deverão demonstrar no trabalho final. Uma sugestão é fazer seminários em sala sobre grandes conflitos internacionais em que se analisem os padrões de cooperação e disputa que levaram à eclosão de guerras; a forma de análise sugerida por Joseph S. Nye Jr, em sua obra “Compreender Conflitos Internacionais” (que integra a bibliografia da disciplina) fornece um método interessante para uso com a sala de aula. Discussões sobre filmes que retratem os dilemas e desafios da cooperação internacional também são instrumentos úteis para reforçar o aprendizado; uma boa sugestão é o filme “Terra de Ninguém”, de Denis Tanovic, sobre a Guerra na Bósnia-Herzegovina, que inclusive foi indicado pelo professor como base alternativa para a realização do trabalho final de semestre para aqueles alunos que, por quaisquer razões, não puderam participar de uma partida do Diplomacy.

 

CUIDADOS A SEREM OBSERVADOS: Os principais cuidados tomados foram relativos ao jogo em si, que é a parte da atividade que mais foge ao que estudantes de direito estão acostumados. O jogo, além disso, demanda bastante dos alunos em termos de raciocínio e comunicação com os oponentes, além de ter um formato que não agradou a todos. Por isso, a primeira precaução foi a elaboração de uma atividade substitutiva que pudesse ser aplicada a quem não quis ou não pôde participar de uma partida, seja por conta do tempo necessário, seja por conta de questões psicológicas – ao menos três estudantes me relataram depois da partida de teste que o jogo lhes causava muito estresse e que preferiam não jogar. Para eles foi indicado um filme (“Terra de Ninguém”, de Denis Tanovic), a partir do qual tiveram de fazer o mesmo exercício de teorização que os colegas fizeram com base no jogo.

Fundamental para que o exercício de teorização fosse possível é que cada um dos alunos e alunas tivesse tido a experiência em relação à qual se queria motivar a reflexão. Por isso, foi importante um acompanhamento das partidas para garantir que todos estejam realmente participando. Como indicado no campo Observações, com 100 alunos jogando, esse trabalho exigiu bastante tempo do professor e isso pode ser um problema com turmas maiores.

Também pareceu importante garantir o anonimato dos jogadores, porque nem todos se lembram de que se trata apenas de um jogo (apesar disso ser enfatizado nas aulas preparatórias) e, dado que traições são algo mais que esperado em Diplomacy, isso poderia levar a problemas de relacionamento entre alunos. O Backstabbr identifica os jogadores apenas pelo País que representam, mas, como foi permitido aos alunos montar o grupo de jogo, alguns acabaram deduzindo ou mesmo revelando quem eram para os oponentes e isso, como esperado, acabou gerando algumas tensões que chegaram a meu conhecimento. Em aplicações futuras, pretendo manter o anonimato total, determinando inclusive os jogadores de cada partida de forma aleatória.

Outra preocupação foi limitar o tempo diário dedicado ao jogo, razão pela qual as partidas foram configuradas para turnos de 24 horas, com o limite de horário para as ordens às 14h00; assim, quem quisesse poderia jogar o turno à noite, ou mesmo usar parte do intervalo do almoço para dar as ordens para as tropas e trocar mensagens com os oponentes.

Por fim, a própria escolha do Backstabbr como “tabuleiro virtual” se deveu a uma preocupação em diminuir a dificuldade que muitos alunos, por não terem experiência com esse tipo de jogo, poderiam ter com o Diplomacy. O jogo é famoso por ter uma notação própria em que os comandos devem ser formulados, e um erro de notação leva a um movimento inválido. Das opções de ferramentas que permitem jogar Diplomacy online, o Backstabbr é o que tem a interface mais intuitiva (ele usa cliques no mapa para compor as ordens), dispensando os jogadores de memorizarem a notação específica do jogo.

Tempo de aplicação: 

A atividade se desenvolveu durante todo o semestre, tendo o curso sido planejado em torno dela. Assim, em sala de aula, as 30 h/a do curso foram dedicadas, direta ou indiretamente, a ela.

Especificamente para ensinar as regras do jogo e explicar a atividade, foram gastas duas aulas (4 h/a).

Cada grupo de 7 discentes jogou duas partidas, a primeira como treino, para fixarem as regras, e uma segunda para valer. Cada partida durou em média 20 turnos, que, segundo relatos dos alunos, tomavam entre 30 minutos e 1h por dia, entre as etapas de negociação e de definição das ordens para as tropas. Assim, pode-se estimar que os jogos demandaram algo entre 20 e 40h de atividade extraclasse.

O tempo para elaboração do relatório final pode ser estimado em 3-4h para a versão individual, mais 8-10h para o relatório em grupo (alguns grupos relataram terem feito só o relatório em grupo).

A revisão dos trabalhos iniciais ocupou cerca de 20h do professor e, a depender da quantidade de correções, estimo que os grupos levaram entre 1h e 8h para elaborar a versão revisada.

Detalhes da atividade

Nome: 

Diplomacia em sala de aula: aprendendo a teorizar com um jogo de tabuleiro

Instituição: 

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP

Área de concentração: 

  • Direito Internacional
  • Relações Internacionais

Disciplinas: 

Regulação de Relações Internacionais

Curso: 

  • Graduação - 2º semestre

Palavras-chave: 

  • Teoria de Relações Internacionais
  • Cooperação internacional
  • Anarquia
  • Ensino por meio de jogos
  • simulação

Número de alunos: 

100

Tempo de aplicação: 

30h

Edição: 

Tatiane Guimarães

Direitos autorais

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